quinta-feira, 13 de maio de 2010

Bazani - O Maestro da Ferroviária

Retirado do Blog do Torero do site UOL
http://blogdotorero.blog.uol.com.br/arch2010-05-01_2010-05-31.html#2010_05-13_09_13_17-10024933-0

"Zé Cabala e o homem-locomotiva"

"Quando cheguei à casa do grande mestre, ele não estava de turbante, mas com um boné de ferroviário. E montava um trenzinho elétrico.

Estranhei aquilo e perguntei: “Compraste um brinquedo, ó, grande sábio?”

Ele virou-se com um ar indignado e disse: “Isso não é um brinquedo, caro fliculário, é um método de combate ao estresse por alusão ao aspecto lúdico da infância.”

“Ah, claro, desculpe, mestre.”

“Tudo bem”, ele disse. E depois fez um um longo “piuiiiiiiii!” e ligou seu trenzinho.

“Hoje gostaria de falar com algum craque de um time fora do eixo Rio-São Paulo. Seria possível?”, perguntei.

“Moleza”, ele disse. Então começou a correr em volta dos trilhos de seu trenzinho enquanto fazia “tique, tique, tique, tique, piuiiiiiii, tique, tique”.

Depois de umas dez voltas, ele estancou e disse:

“Cheguei à estação.”

“Quem sois vós, ó, espírito?”

“Chamavam-me de Bazzani.”

“Olivério Bazzani Filho, o craque da Ferroviária? Aquele meia-esquerda que fez nada menos do que 244 gols?”

“Parece que você já ouviu falar de mim?”

“Tive um vizinho de Araraquara que sempre contava coisas sobre o senhor.”

“Ah, o povo de Araraquara foi bondoso comigo.”

“O senhor nasceu lá, não?”

“Não, na verdade, não. Nasci em Mirassol, em 1935.”

“Como era sua vida lá?”

“O meu programa de sábado era nadar num sítio, e nos outros dias eu estudava e jogava bola. Então eu comecei a pegar uma certa habilidade com a canhota.”

“E aí chamaram o senhor para o juvenil do Mirassol?”

“Isso. Nós tínhamos um time muito bom. Nosso treinador era dinâmico e começou a arrumar jogos de importância. Pegamos o Corinthians, por exemplo. Ganhamos de 3 a 1. Pegamos a Ferroviária e ganhamos de 8 a 0. Pegamos o time do Santos e ganhamos também de 8.”

“De lá o senhor foi para a Ferroviária?"

“Antes passei por Mogiana e Rio Preto. Cheguei à Ferroviária com 19 anos.”

“Sua família não se incomodou com sua opção pelo esporte?”

“De jeito nenhum. Minha família era de esportistas. Meu irmão, O Bazzaninho, jogou no São Paulo e no São Bento, minha irmã foi jogadora de basquete profissional e meu pai tinha sido zagueiro do Corinthians.

“A sua Ferroviária fez muito sucesso, não?”

“Fez. Era um timaço. Joguei muito com o Dudu, que depois foi para o Palmeiras. E logo em 55 conseguimos subir para a primeira divisão. O jogo decisivo foi contra o Botafogo de Ribeirão Preto. Ganhamos por 6 a 3 e eu fiz dois gols.”

“Como era sua vida em Araraquara, com 19 anos?”

“Ah, eu adorava ir ao cinema. O clube deu uma carteirinha para a gente que deixava entrar de graça. Então eu ia sempre, porque não estava acostumado. Era caipirão, né? Via bang-bang, tiroteio, romance… O meu favorito foi ‘E o vento levou...’”

“Naquele tempo a Ferroviária metia medo nos grandes?”

“Metia. Tanto que em 59 ficamos em terceiro lugar no Campeonato Paulista de Futebol, à frente de São Paulo, Corinthians e Portuguesa de Desportos. 59 foi um grande ano. Fui convocado para a Seleção Paulista e conquistamos o tetracampeonato de seleções. Num jogo, contra a Seleção Mineira, até deixei o Pelé no banco de reservas.”

“Que ano de sucesso!”

“Pois 60 não ficou devendo nada a 59. A Ferroviária era um time tão respeitado que fizemos uma excursão pela Europa e pela África, mais ou menos como o Santos. Enfrentamos times como Belenenses, Porto e Atlético de Madrid. Foram 20 jogos, com 17 vitórias, 2 empates e só uma derrota, para o Sporting.”

“Como era o seu estilo?”

“Eu era um meia-esquerda típico. Modéstia à parte, bem elegante. Fazia lançamentos longos, tinha um bom chute de longe e era venenoso nas cobranças de falta. Ah, e tinha uma qualidade rara: ajudava muito na marcação.”

“O senhor ficou a vida toda na Ferroviária?”

“Não. Em 1963 fui jogar no Corinthians. Fiquei lá até 65, mas não deu muito certo. Uma pena, porque eu também torcia pelo Corinthians. Foram 87 jogos e 15 gols. A verdade é que eu fui feito para a Ferroviária. E ela para mim. Tanto que em 64, quando eu não estava lá, ela caiu para a segunda divisão. Então em 66 voltei para a Ferroviária.”

“E como foi este segundo casamento?”

“Melhor que o primeiro. No mesmo ano voltamos à primeira divisão. E fui artilheiro do time com 16 gols. No jogo das faixas empatamos com Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes por 2 a 2.”

“Nada mal.”

“Nada mesmo. E nos anos seguintes conquistamos o Tricampeonato do Interior, a maior glória da Ferrinha até hoje. Naqueles anos nós sempre ganhávamos dos grandes lá na Fonte Luminosa. Às vezes, até fora de casa. Por exemplo, teve uma vez que nós goleamos o Corinthians por 4 a 1 em pleno Pacaembu. Neste dia eu marquei duas vezes.”

“Vocês ganhavam até do Santos?”

“Claro. Em março de 71 goleamos o seu time por 4 a 1, lá em Araraquara. E era o Santos de Pelé, Edu e Clodoaldo. Fiz um dos gols. Sobrou uma bola lá na frente e eu disse: ‘Quer saber? Eu vou chutar daqui mesmo’. Rapaz, acertei um chute que o Cejas nem foi na bola. Aí saí correndo feito doido em volta do campo… Até hoje lembro dos vinte mil torcedores gritando meu nome. Ah, como eu amava aquela camisa grená, aquela camisa com cor de ferro, de terra...”

“O senhor parou com quantos anos?”

“Com 37, um ano depois dessa goleada em cima do Santos. Aí fui ser dentista. E em 72 também assumi o cargo de técnico das divisões inferiores do clube.”

“Chegou a ser técnico do time principal?”

“Doze vezes. Uma, inclusive, por dois, três anos. Em 1980 conseguimos chegar às finais da Taça de Prata de 1980 e fomos à semifinal do Campeonato Paulista de 1985.”

“A Ferroviária fez até um busto para o senhor, não fez?”

“Fez. Foi uma coisa linda. A inauguração foi no dia 18 de abril de 2007. Mas eu não pude ir. Já estava muito doente. Tanto que morri uns meses depois.”

“Mas, se tivesse ido, teria dito o quê?”

“O mesmo que disse no meu jogo de despedida, depois de ver as pessoas me aplaudindo.”

“E o que o senhor disse?”

"Me sinto orgulhoso em ter vivido e lutado por este time. A gente trabalha a vida toda para ter o reconhecimento que eu tenho aqui dentro. A Ferroviária significa minha vida".

“Puxa...”

“Não faça essa cara de choro. No jogo em comemoração ao busto, a Ferroviária ganhou de três a zero do Corinthians.”

“Até a sua estátua ganha dos grandes.”

“Não exagere, não exagere. Fui só mais um vagão desta grande locomotiva que é a Ferroviária. Piuiiiiii!”"


Belíssima homenagem a um gênio do futebol
Valeu Torero! Araraquara e a Ferroviária estão honradas com estas belas palavras.

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